A fotografia, apesar de ser filha da Revolução Industrial, nasceu com um handicap intrinsecamente artesanal: na sua fase inicial não era reprodutível. Para além disso, o
fotograma único, conceito que obviamente não existia na altura, era, a par da irreprodutibilidade, uma inapelável idiossincrasia do meio. Com a invenção do negativo este
libertou-se da primeira limitação. De seguida, o cinema, descendente direto da fotografia, aboliu, fruto da sua própria essência, o fotograma único.
No entanto, durante toda a sua história, a criação de imagens fotográficas uma a uma foi, e tem sido, um paradigma que só recentemente começa a deixar de o ser. Justamente, um dos argumentos dos fabricantes para vender equipamentos de gamas mais altas tem sido o número de fotogramas por segundo que são capazes de captar. Mas, o que dizer de câmeras que começam a fotografar antes da fotografia e terminam depois desta? Pode parecer maravilhoso, mas não é. Tão-só, o aparelho substitui-se ao fotógrafo naquilo que ele sempre fez: antecipar e isolar um momento ínfimo, congelando-o, de um determinado segmento de tempo. É, de certa forma, como escolher um único fotograma de um filme.
De que serve então podermos continuar a fotografar fotograma a fotograma inserindo a falibilidade humana cada vez que o obturador é acionado, o momento errado, o movimento indesejado, o atraso irrecuperável, a antecipação incontrolada? Quase que não vale a pena continuar... Parece que está tudo dito. O valor do objeto artesanal, único, irreprodutível, transferiu-se para a ideia da arte por si só. O valor da singularidade da decisão e visão dos fotógrafos começa agora a ser transferido para algoritmos que buscam uma temporalidade e perfeição hiper-humanas. Quando tal acontecer podemos simplesmente parar o relógio. O tempo do homem terminou.
ESPAÇO ALFA - Artigo de Dário Agostinho publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul de setembro de 2018
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